Piçarra

Menina de corpo magro.
De pele negra e manchada.
De pele toda riscada
De rasgar as invernadas,
Nas juquiras deste sol.
Destas noites tão suadas,
Destes raiar de alvoradas,
De nublados arrebóis.

Menina, teu corpo é feio.
Não tem graça a tua mão tosca,
Que segura o microfone
E o aperta junto à boca
Para o teu canto soltar.
Teu canto, menina, é rouco.
Teu canto, menina, é pouco.
Tua voz não sabe bailar.

Teu canto é como o teu corpo
Rasgado pela poeira
Deste Sul deste Pará.
Não tens charme,
Não tens nada:
És como a lua encostada
Na ponta da nuvem branca,
Minguando de madrugada.

Mas teus olhos, quando cantas
Este brega avacalhado,
Este bolero rasgado,
O sertão do meu Brasil.
São olhos de esperança
São olhos doces, postados
De paixão terna e febril.

São tristes estes teus olhos
Mas cantam melhor que tu.
Eles saltam da tua boca.
Eles bailam no palanque,
Eles dançam e tua voz rouca
Neles acham a sintonia
Da música há pouco mouca,
Mas agora de agonia.

Agora, menina, és linda.
Tua pele negra e manchada.
Tua mão toda calejada,
Do cabo daquela enxada,
Que empunhavas nas queimadas,
Roçando o teu coração,

Agora teu corpo feio
Cria graça e devaneio,
Pro porre que louco salta
Do meio da multidão,
E quer agarrar teu canto:
Quer que sejas dele a deusa.
És a deusa do peão.

Agora o teu canto baila
No embalo dos teus olhos.
Baila solto pelo chão.
Baila pela madrugada,
Vai varar as invernadas,
Vai pousar nas castanheiras,
Vai morrer nas ribanceiras,
Vai saltar as cachoeiras,
Vai abanar as queimadas,
Quem matam o verde da mata,
Que tornam a mata carvão.

Teu canto, menina feia,
É o canto deste chão.
É o canto da esperança
Que desespera apertado
No teu parco coração.

E os teus olhos neste canto,
Neste brega avacalhado,
Neste bolero rasgado,
Neste tom desafinado,
Que sai da tua canção,
São pérolas de ternura,
São contas de amargura,
É poema a soluçar.

Teu canto, menina feia,
É de beleza tão rara,
Que só ouve quem conhece
Este Sul do meu Pará

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