O porco d’água

O rebojo estoura em branca vaga.
A vaga em branca espuma se transforma.
Na espuma se debate o porco d’água.
Na água feita pedra o suor jorra,
Salgando o Tocantins com o peito em mágoa.

Procura em desespero uma paragem.
O aço em suas mãos às costas traça.
A vida o faz nadar, não a coragem.
A fé o faz viver, não a desgraça.
Não o mundo o faz sonhar, mas a viagem.

O ronco do motor soa no ar.
O barco em suas mãos está então.
Não ouse o porco d’água fracassar.
Não ousem os seus esforços serem em vão.
Seus olhos logo achem onde amarrar,

Pois cá no bolinete pronto estão,
Marinheiros febris a esperar
A mão do porco d’água a acenar
Em sinal de sucesso e de descanso,
O barco rio acima se içar.

Ele agora sossega no remanso.
Como ariranha deita as cotas a remar.
Mergulha, olha as pedras, na esperança
De sempre um diamante a vadiar.
E bóia como aninga que se lança

Do fundo para a tona em espinhel.
E pula, pedra em pedra, vaga em vaga.
E agarra no passeio do motor
Que já em mansas águas se balança,
Depois que o cabo ao bolinete se esgotou.

Num salto já está na casinhola,
Pingando o Tocantins do corpo inteiro.
Nem lembra mais da liça, pois agora,
O Rio já manso acalma o marinheiro.

Toma um moca quentinho, em esmaltada
Caneca que na lenha se ferveu.
Na camarinha pisca à moça, inda espantada,
Contado do rebojo que venceu.

No convés se deita olhando o Sol
Que seus olhos em sonhos faz fechar.
Quando os abre se espanta, é arrebol,
A lua já a pouco vai brilhar.

Porco d’água, teus sonhos e tua luta,
Mergulharam no castelo da Iara.
De lá ninguém mais teu grito escuta.
Calaram, como a Capitariquara.

Saudades de ti garboso infante.
Teus feitos muito ainda hão de brilhar
Tão claro como brilham os diamantes,
Teus sonhos outros sonhos vão sonhar...

6 comentários:

  1. Olá Ribamar,

    É uma pena que pouco ficou escrito e fotografado daquela época.

    Um abraço,

    Parsifal

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  2. É Parsifal, sua vida é plena de prazeres, parabens!
    Virgílio

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  3. O senhor me comoveu com a sua lembrança do que fomos. Qual o nome do seu pai? Talvez os meus o tenham conhecido.

    Deixe-me mandar-lhe uma poesia também, sobre o que restou daquilo.
    Um abraço!
    ------
    Águas de passagem
    Ademir Braz

    Retinem nos ouvidos
    velhas pás e gritos:
    há odor de diesel
    nos óleos do ar.
    Cúmplice do vento
    ando junto às pedras
    zanza no rio-tempo
    meu menino olhar.

    No azul do porto
    sobe e desce gente
    carregando frutos
    úmidos de sol:
    sobre ombros curvos
    corre mel do cesto
    escorre sal da pele
    nos degraus do cais.

    Farto de castanha
    cambaleia o barco
    acima do banzeiro
    que o vento atiça;
    geme a quilha tesa
    a corda retinida
    range como range
    a carne sob os cestos
    nos degraus do cais.

    Retinem nos ouvidos
    tantas pás e gritos
    e já não há no ar
    os mastros em delírio...
    Só, desaba a rua
    agora sobre as águas
    que deságuam cio
    nos degraus do cais.
    ------

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  4. Olá Virgílio,

    De fato nós éramos felizes. Aí, vieram a barragem e os madeireiros, e me vieram a bursite, a flebite, a gastrite, a enxaqueca e mais ultimamente, a minha mais nova aquisição: uma hérnia de disco.

    Eu preferiria a Capitariquara.

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  5. Olá Ademir,

    O nome do meu pai era Ismaelino, mais conhecido por Ismael. Foi porco d'água jovem, depois piloto por uns 4 anos, quando casou e desembarcou, pois foi uma das "exigências" da sogra para da mão da filha (você sabe que a fama de mulherengos dos pilotos era horrível).

    Vou postar a sua bela poesia e a do Ivo sobre o tema.

    Um abraço.

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